Nuno Garoupa

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quinta-feira, julho 27, 2006

O meu sétimo artigo na revista Atlântico (Jul 06)

HOLA MADRID
As incógnitas do futuro
Nuno Garoupa


Talvez na decisão política mais importante desde a morte do General Franco, o governo Zapatero finalmente decidiu abrir negociações com os terroristas da ETA para encontrar uma saída política para o problema basco sem o apoio de uma parte muito significativa da sociedade espanhola (mesmo nas sondagens menos simpáticas o PP representará cerca de 37% do eleitorado em toda a Espanha). Não se trata apenas de romper uma tradição de consensos nos grandes temas constitucionais (pois esse consenso foi roto com a guerra do Iraque e depois com as reformas estatutárias da Catalunha e seguintes, e não agora), mas de comprometer-se com uma saída política (seja qual for o seu enquadramento institucional e jurídico no futuro) para o problemas mais grave que afecta a Espanha moderna sem um respaldo avassalador da sociedade espanhola como seria necessário. Pode-se discutir se a culpa é deste ou daquele, se a posição do PP é aceitável ou não (pessoalmente parece-me a atitude menos radicalizada de Alberto Gallardón, alcalde de Madrid, mais sensata que a oposição feroz de Angel Acebes, Zaplana ou Aznar, a ala dura que ainda controla o partido), mas ao decidir o que decidiu Zapatero condenou o processo de paz a ser fracturante e traumático o que só podem ser más notícias para os espanhóis.

Não tenhamos dúvidas que a esmagadora maioria dos espanhóis está desesperada por resolver, e se possível esquecer, o problema basco. Mas o problema basco não é só entre bascos e espanhóis, é entre bascos (já que os nacionalistas, por exemplo, consideram mais de metade da população do País Basco não basca devido à imigração), é entre bascos e navarros (os navarros não querem ser bascos mas os nacionalistas consideram-nos bascos). É um problema entre os terroristas, os seus cúmplices activos, os seus muitos cúmplices passivos (grande parte da sociedade basca, o PNV, a Igreja católica, etc.) e as suas vítimas. Consequentemente o processo de paz é imensamente emocional e naturalmente difícil, onde nem sempre impera a razão nem o diálogo. Entrar nesse processo sem um roteiro estruturado e sem o apoio inequívoco da sociedade esapnhola é um erro com consequências que irão muito para além da passagem de Zapatero pelo governo.

Suspeito que os apoiantes de Zapatero, os homens do grupo Prisa, pensam que o processo de paz dará muitos votos ao PSOE e isolará de forma inequívoca o PP (deixará de ser elegível para governar a Espanha). No fundo é aplicar ao País Basco a receita aplicada na Catalunha, criar um cordão sanitário à volta do PP de forma que não volte a governar, fazer umas quantas concessões aos nacionalistas, e assegurar a hegemonia do PSOE em Espanha. É muito possível que não só funcione como tenha resultados promissores nas próximas eleições regionais (na Primavera de 2007) e gerais (previstas para Março de 2008). É muito possível que atire o PP para uma gravíssima crise interna da qual terá muita dificuldade em recuperar-se. Mais importante, é muito possível que a ETA não volte a cometer atentados durante muito tempo.

Existem porém muitas incógnita importantes. Que acontecerá quando o PP voltar ao governo mesmo que seja dentro de dez anos? Como poderá Zapatero fazer concessões quando não tem e nunca terá uma maioria qualificada no Congresso para aprovar reformas constitucionais? Como irá o Governo respeitar a separação de poderes quando se sabe que o poder judicial é claramente conservador, contrário aos interesses do Governo e aposta nas sanções duras contra os terroristas (aqui note-se que o Governo controla a fiscalia-general e o tribunal constitucional mas não o consejo general del poder judicial que está nas mãos do PP)? Como poderá o Governo evitar confrontos sérios com as vítimas (a principal organização, a AVT, é muito próxima do PP) ou com as associações anti-terrorismo bascas (por exemplo, o Foro de Ermua)?

Bem podem Zapatero e os seus homens dizer que temos que dar uma chance à paz. Objectivamente o Governo estará sempre entalado entre os nacionalistas e os terroristas que irão exigir mais e mais numa estratégia a la Cataluña e o PP e a sua base social (AVT, Foro de Ermua, etc.). Não haverá margem para erros, o risco e as consequências do fracasso são enormes. Catalunha não é o País Basco, e os disparates que se fizeram no processo constituinte catalão são uma brincadeira de miúdos quando comparado com o que possa acontecer no País Basco.

Os estadistas são aqueles que sacrificam os interesses de curto prazo para assegurar o médio e longo prazo. Assim foi Adolfo Suárez, talvez o último grande estadista espanhol. Um homem que soube sacrificar os seus interesses pessoais e do seu partido (ao ponto de desaparecer eleitoralmente) a um projecto de Espanha, esse país de sucesso que tanta inveja gera em Portugal. José Luis Zapatero acaba de demonstrar que sendo um excelente líder político, talvez o melhor desde a transição dos anos 70, não é nem nunca será um estadista. Resolver o problema basco sem o apoio de quase metade da sociedade espanhola significa abrir um conflito entre espanhóis e espanhóis que só pode ter consequências trágicas. Se as circunstâncias fazem os estadistas, Zapatero acaba de perder uma excelente oportunidade.

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