O meu sétimo artigo na revista Atlântico (Jul 06)
HOLA MADRID
As incógnitas do futuro
Nuno Garoupa
Talvez na decisão política mais importante desde a morte do General Franco, o governo Zapatero finalmente decidiu abrir negociações com os terroristas da ETA para encontrar uma saída política para o problema basco sem o apoio de uma parte muito significativa da sociedade espanhola (mesmo nas sondagens menos simpáticas o PP representará cerca de 37% do eleitorado em toda a Espanha). Não se trata apenas de romper uma tradição de consensos nos grandes temas constitucionais (pois esse consenso foi roto com a guerra do Iraque e depois com as reformas estatutárias da Catalunha e seguintes, e não agora), mas de comprometer-se com uma saída política (seja qual for o seu enquadramento institucional e jurídico no futuro) para o problemas mais grave que afecta a Espanha moderna sem um respaldo avassalador da sociedade espanhola como seria necessário. Pode-se discutir se a culpa é deste ou daquele, se a posição do PP é aceitável ou não (pessoalmente parece-me a atitude menos radicalizada de Alberto Gallardón, alcalde de Madrid, mais sensata que a oposição feroz de Angel Acebes, Zaplana ou Aznar, a ala dura que ainda controla o partido), mas ao decidir o que decidiu Zapatero condenou o processo de paz a ser fracturante e traumático o que só podem ser más notícias para os espanhóis.
Não tenhamos dúvidas que a esmagadora maioria dos espanhóis está desesperada por resolver, e se possível esquecer, o problema basco. Mas o problema basco não é só entre bascos e espanhóis, é entre bascos (já que os nacionalistas, por exemplo, consideram mais de metade da população do País Basco não basca devido à imigração), é entre bascos e navarros (os navarros não querem ser bascos mas os nacionalistas consideram-nos bascos). É um problema entre os terroristas, os seus cúmplices activos, os seus muitos cúmplices passivos (grande parte da sociedade basca, o PNV, a Igreja católica, etc.) e as suas vítimas. Consequentemente o processo de paz é imensamente emocional e naturalmente difícil, onde nem sempre impera a razão nem o diálogo. Entrar nesse processo sem um roteiro estruturado e sem o apoio inequívoco da sociedade esapnhola é um erro com consequências que irão muito para além da passagem de Zapatero pelo governo.
Suspeito que os apoiantes de Zapatero, os homens do grupo Prisa, pensam que o processo de paz dará muitos votos ao PSOE e isolará de forma inequívoca o PP (deixará de ser elegível para governar a Espanha). No fundo é aplicar ao País Basco a receita aplicada na Catalunha, criar um cordão sanitário à volta do PP de forma que não volte a governar, fazer umas quantas concessões aos nacionalistas, e assegurar a hegemonia do PSOE em Espanha. É muito possível que não só funcione como tenha resultados promissores nas próximas eleições regionais (na Primavera de 2007) e gerais (previstas para Março de 2008). É muito possível que atire o PP para uma gravíssima crise interna da qual terá muita dificuldade em recuperar-se. Mais importante, é muito possível que a ETA não volte a cometer atentados durante muito tempo.
Existem porém muitas incógnita importantes. Que acontecerá quando o PP voltar ao governo mesmo que seja dentro de dez anos? Como poderá Zapatero fazer concessões quando não tem e nunca terá uma maioria qualificada no Congresso para aprovar reformas constitucionais? Como irá o Governo respeitar a separação de poderes quando se sabe que o poder judicial é claramente conservador, contrário aos interesses do Governo e aposta nas sanções duras contra os terroristas (aqui note-se que o Governo controla a fiscalia-general e o tribunal constitucional mas não o consejo general del poder judicial que está nas mãos do PP)? Como poderá o Governo evitar confrontos sérios com as vítimas (a principal organização, a AVT, é muito próxima do PP) ou com as associações anti-terrorismo bascas (por exemplo, o Foro de Ermua)?
Bem podem Zapatero e os seus homens dizer que temos que dar uma chance à paz. Objectivamente o Governo estará sempre entalado entre os nacionalistas e os terroristas que irão exigir mais e mais numa estratégia a la Cataluña e o PP e a sua base social (AVT, Foro de Ermua, etc.). Não haverá margem para erros, o risco e as consequências do fracasso são enormes. Catalunha não é o País Basco, e os disparates que se fizeram no processo constituinte catalão são uma brincadeira de miúdos quando comparado com o que possa acontecer no País Basco.
Os estadistas são aqueles que sacrificam os interesses de curto prazo para assegurar o médio e longo prazo. Assim foi Adolfo Suárez, talvez o último grande estadista espanhol. Um homem que soube sacrificar os seus interesses pessoais e do seu partido (ao ponto de desaparecer eleitoralmente) a um projecto de Espanha, esse país de sucesso que tanta inveja gera em Portugal. José Luis Zapatero acaba de demonstrar que sendo um excelente líder político, talvez o melhor desde a transição dos anos 70, não é nem nunca será um estadista. Resolver o problema basco sem o apoio de quase metade da sociedade espanhola significa abrir um conflito entre espanhóis e espanhóis que só pode ter consequências trágicas. Se as circunstâncias fazem os estadistas, Zapatero acaba de perder uma excelente oportunidade.
As incógnitas do futuro
Nuno Garoupa
Talvez na decisão política mais importante desde a morte do General Franco, o governo Zapatero finalmente decidiu abrir negociações com os terroristas da ETA para encontrar uma saída política para o problema basco sem o apoio de uma parte muito significativa da sociedade espanhola (mesmo nas sondagens menos simpáticas o PP representará cerca de 37% do eleitorado em toda a Espanha). Não se trata apenas de romper uma tradição de consensos nos grandes temas constitucionais (pois esse consenso foi roto com a guerra do Iraque e depois com as reformas estatutárias da Catalunha e seguintes, e não agora), mas de comprometer-se com uma saída política (seja qual for o seu enquadramento institucional e jurídico no futuro) para o problemas mais grave que afecta a Espanha moderna sem um respaldo avassalador da sociedade espanhola como seria necessário. Pode-se discutir se a culpa é deste ou daquele, se a posição do PP é aceitável ou não (pessoalmente parece-me a atitude menos radicalizada de Alberto Gallardón, alcalde de Madrid, mais sensata que a oposição feroz de Angel Acebes, Zaplana ou Aznar, a ala dura que ainda controla o partido), mas ao decidir o que decidiu Zapatero condenou o processo de paz a ser fracturante e traumático o que só podem ser más notícias para os espanhóis.
Não tenhamos dúvidas que a esmagadora maioria dos espanhóis está desesperada por resolver, e se possível esquecer, o problema basco. Mas o problema basco não é só entre bascos e espanhóis, é entre bascos (já que os nacionalistas, por exemplo, consideram mais de metade da população do País Basco não basca devido à imigração), é entre bascos e navarros (os navarros não querem ser bascos mas os nacionalistas consideram-nos bascos). É um problema entre os terroristas, os seus cúmplices activos, os seus muitos cúmplices passivos (grande parte da sociedade basca, o PNV, a Igreja católica, etc.) e as suas vítimas. Consequentemente o processo de paz é imensamente emocional e naturalmente difícil, onde nem sempre impera a razão nem o diálogo. Entrar nesse processo sem um roteiro estruturado e sem o apoio inequívoco da sociedade esapnhola é um erro com consequências que irão muito para além da passagem de Zapatero pelo governo.
Suspeito que os apoiantes de Zapatero, os homens do grupo Prisa, pensam que o processo de paz dará muitos votos ao PSOE e isolará de forma inequívoca o PP (deixará de ser elegível para governar a Espanha). No fundo é aplicar ao País Basco a receita aplicada na Catalunha, criar um cordão sanitário à volta do PP de forma que não volte a governar, fazer umas quantas concessões aos nacionalistas, e assegurar a hegemonia do PSOE em Espanha. É muito possível que não só funcione como tenha resultados promissores nas próximas eleições regionais (na Primavera de 2007) e gerais (previstas para Março de 2008). É muito possível que atire o PP para uma gravíssima crise interna da qual terá muita dificuldade em recuperar-se. Mais importante, é muito possível que a ETA não volte a cometer atentados durante muito tempo.
Existem porém muitas incógnita importantes. Que acontecerá quando o PP voltar ao governo mesmo que seja dentro de dez anos? Como poderá Zapatero fazer concessões quando não tem e nunca terá uma maioria qualificada no Congresso para aprovar reformas constitucionais? Como irá o Governo respeitar a separação de poderes quando se sabe que o poder judicial é claramente conservador, contrário aos interesses do Governo e aposta nas sanções duras contra os terroristas (aqui note-se que o Governo controla a fiscalia-general e o tribunal constitucional mas não o consejo general del poder judicial que está nas mãos do PP)? Como poderá o Governo evitar confrontos sérios com as vítimas (a principal organização, a AVT, é muito próxima do PP) ou com as associações anti-terrorismo bascas (por exemplo, o Foro de Ermua)?
Bem podem Zapatero e os seus homens dizer que temos que dar uma chance à paz. Objectivamente o Governo estará sempre entalado entre os nacionalistas e os terroristas que irão exigir mais e mais numa estratégia a la Cataluña e o PP e a sua base social (AVT, Foro de Ermua, etc.). Não haverá margem para erros, o risco e as consequências do fracasso são enormes. Catalunha não é o País Basco, e os disparates que se fizeram no processo constituinte catalão são uma brincadeira de miúdos quando comparado com o que possa acontecer no País Basco.
Os estadistas são aqueles que sacrificam os interesses de curto prazo para assegurar o médio e longo prazo. Assim foi Adolfo Suárez, talvez o último grande estadista espanhol. Um homem que soube sacrificar os seus interesses pessoais e do seu partido (ao ponto de desaparecer eleitoralmente) a um projecto de Espanha, esse país de sucesso que tanta inveja gera em Portugal. José Luis Zapatero acaba de demonstrar que sendo um excelente líder político, talvez o melhor desde a transição dos anos 70, não é nem nunca será um estadista. Resolver o problema basco sem o apoio de quase metade da sociedade espanhola significa abrir um conflito entre espanhóis e espanhóis que só pode ter consequências trágicas. Se as circunstâncias fazem os estadistas, Zapatero acaba de perder uma excelente oportunidade.
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