Artigo na Dia D do Público (8 Maio 06)
Afinal para que serve a Assembleia da República?
Nuno Garoupa
Os recentes lamentáveis episódios ocorridos na Assembleia da República levantaram um coro de protestos sobre a forma como os deputados exercem os seus deveres enquanto representantes do povo. As respostas pontuais e demagógicas dos vários líderes políticos e do Presidente da AR apenas confirmam que, não só tudo ficará essencialmente na mesma como é apanágio dos últimos 30 anos, como o problema da AR é mais profundo do que a mera falta de profissionalismo e de respeito institucional dos seus deputados. Deixemos de lado a falta de assiduidade, o número excessivo, ou os privilégios dos deputados, e olhemos para os resultados. Avaliemos aquilo que é a qualidade da produção parlamentar. A AR tem dois papéis muito importantes na nossa democracia: legislar e fiscalizar o poder executivo.
Enquanto órgão fiscalizador, os resultados são absolutamente medíocres. Se foi possível chegarmos à actual situação orçamental (em que o déficit orçamental é manipulado ano após ano) foi porque a AR abdicou do seu papel e foi incapaz de exercer as competências que lhe estão constitucionalmente assignadas. As comissões de inquérito são uma farsa sem qualquer credibilidade, e a AR não conseguiu encontrar em 30 anos uma solução para o problema (seja comissões com paridade governo-oposição; seja desenvolver uma comissão de inquérito independente presidida por um magistrado especialmente designado para esse efeito). A forma como a AR escolhe os vogais nos mais variados órgãos do Estado (do TC ao CSM ou à recente ERC) é desprestigiante (por exemplo, a inexistência de audição parlamentar aos candidatos confirma que o papel da AR é simplesmente residual no processo de escolha). E se muito do fracasso da AR como órgão fiscalizador se deve ao excesso de concentração de poder nas lideranças partidárias e no Governo, não deixa de ser verdade que a AR nunca fez um esforço para passar de uma câmara de ecos e ressonância. Jamais a mesa da AR teve um papel activo na resolução dos problemas ou na apresentação de soluções inovadoras apesar do elogio fácil com que os sucessivos presidentes da AR têm sido brindados.
Já como órgão legislador, a avaliação só pode ser trágica. Já ninguém esconde que a produção legislativa em Portugal é caótica, irracional, e responsável por excessivos custos de contexto que afectam a nossa economia. A AR em trinta anos nunca mostrou interesse por racionalizar a produção legislativa, em introduzir mecanismo de avaliação prospectiva ou retrospectiva, ou transplantar o sistema de comissões técnicas independentes como se faz noutros países.
Vejamos as coisas como elas são. O problema na AR não é a ausência dos deputados ou a confusão nas votações, não é o abuso dos privilégios de que gozam ou o excessivo número de deputados. Infelizmente para a qualidade da nossa democracia a AR abdicou de ser uma verdadeira Assembleia da República. No fundo, a AR nunca passou de uma Assembleia Nacional. Não espanta por isso que se questione a sua utilidade.
Nuno Garoupa
Os recentes lamentáveis episódios ocorridos na Assembleia da República levantaram um coro de protestos sobre a forma como os deputados exercem os seus deveres enquanto representantes do povo. As respostas pontuais e demagógicas dos vários líderes políticos e do Presidente da AR apenas confirmam que, não só tudo ficará essencialmente na mesma como é apanágio dos últimos 30 anos, como o problema da AR é mais profundo do que a mera falta de profissionalismo e de respeito institucional dos seus deputados. Deixemos de lado a falta de assiduidade, o número excessivo, ou os privilégios dos deputados, e olhemos para os resultados. Avaliemos aquilo que é a qualidade da produção parlamentar. A AR tem dois papéis muito importantes na nossa democracia: legislar e fiscalizar o poder executivo.
Enquanto órgão fiscalizador, os resultados são absolutamente medíocres. Se foi possível chegarmos à actual situação orçamental (em que o déficit orçamental é manipulado ano após ano) foi porque a AR abdicou do seu papel e foi incapaz de exercer as competências que lhe estão constitucionalmente assignadas. As comissões de inquérito são uma farsa sem qualquer credibilidade, e a AR não conseguiu encontrar em 30 anos uma solução para o problema (seja comissões com paridade governo-oposição; seja desenvolver uma comissão de inquérito independente presidida por um magistrado especialmente designado para esse efeito). A forma como a AR escolhe os vogais nos mais variados órgãos do Estado (do TC ao CSM ou à recente ERC) é desprestigiante (por exemplo, a inexistência de audição parlamentar aos candidatos confirma que o papel da AR é simplesmente residual no processo de escolha). E se muito do fracasso da AR como órgão fiscalizador se deve ao excesso de concentração de poder nas lideranças partidárias e no Governo, não deixa de ser verdade que a AR nunca fez um esforço para passar de uma câmara de ecos e ressonância. Jamais a mesa da AR teve um papel activo na resolução dos problemas ou na apresentação de soluções inovadoras apesar do elogio fácil com que os sucessivos presidentes da AR têm sido brindados.
Já como órgão legislador, a avaliação só pode ser trágica. Já ninguém esconde que a produção legislativa em Portugal é caótica, irracional, e responsável por excessivos custos de contexto que afectam a nossa economia. A AR em trinta anos nunca mostrou interesse por racionalizar a produção legislativa, em introduzir mecanismo de avaliação prospectiva ou retrospectiva, ou transplantar o sistema de comissões técnicas independentes como se faz noutros países.
Vejamos as coisas como elas são. O problema na AR não é a ausência dos deputados ou a confusão nas votações, não é o abuso dos privilégios de que gozam ou o excessivo número de deputados. Infelizmente para a qualidade da nossa democracia a AR abdicou de ser uma verdadeira Assembleia da República. No fundo, a AR nunca passou de uma Assembleia Nacional. Não espanta por isso que se questione a sua utilidade.
2 Comments:
Excelente artigo. Parabens
Li recentemente este seu artigo que, na minha opinião está bastante interessante. Como partilho algumas das suas opniões, sugiro uma visita ao meu blogue www.viagensnomeupartido.com. Cumprimentos. Celso Guedes de Carvalho
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