O meu quarto artigo na revista Atlântico (Abr 06)
HOLA MADRID
Amor e ódio entre as direitas ibéricas
As direitas ibéricas (espanhola, portuguesa, catalã, e basca) têm três características bastante semelhantes. Em primeiro lugar, não são liberais no sentido económico quando têm a oportunidade de formar governo, bem pelo contrário. Historicamente corporativas, de forte tradição francesa, e firmes defensoras da intervenção do Estado na economia em defesa daquilo que chamam o interesse nacional (desde o velhinho argumento das indústrias nascentes à sua nova versão na defesa dos centros de decisão nacional), as direitas ibéricas no poder quanto muito tendem a ser pro-big business, mas muito pouco pro-mercado. Em segundo lugar, as direitas ibéricas não são liberais na organização da sociedade. A influência católica e o pendor conservador dominam amplamente os respectivos partidos. Isso tem significado que as direitas ibéricas têm chegado tarde e sempre desconfiadas às grandes reformas sociais dos últimos trinta anos (divórcio, direitos da mulher, aborto, direitos dos homossexuais, direitos das minorias, etc.) deixando que a esquerda se aproprie desses temas e lhes chame questões fracturantes. Finalmente, as direitas ibéricas são nacionalistas quanto baste (desconfio mesmo que o eurocepticismo só não é mais pronunciado devido às generosas ajudas económicas recebidas da União Europeia). Não são portanto liberais quanto à organização do espaço geográfico em que se inserem.
Resulta pois curioso que sendo as várias direitas que existem em Espanha bastante semelhantes são incapazes de encontrar uma plataforma comum para governar. Obviamente tal deve-se ao nacionalismo subjacente aos diversos partidos da direita. Por outras palavras, aquilo que cada partido entende ser o interesse nacional do seu país (seja a Espanha, seja a Catalunha, seja o País Basco) pesa mais que qualquer semelhança nas políticas económicas ou sociais. Acaba pois por ser mais fácil negociar à esquerda do que dentro das próprias direitas.
Vem isto a propósito da aprovação do Estatut catalão. A posição favorável da direita catalã (CiU), da direita basca (PNV) e da direita canária (CC) não surpreende tendo em conta os seus objectivos independentistas ou soberanistas. Contudo, é irónico que para satisfazer os seus anseios de mais autonomia e menos Espanha, estejam dispostos a aprovar um estatuto (isto é, um texto constitucional) fortemente socialista onde impera a planificação governamental e o poder económico do Estado, os direitos adquiridos e se desconfia muito dos indivíduos e das suas decisões (faz lembrar a nossa Constituição).
Pelo estilo que adoptou e pela forma com que valorizou a questão territorial em detrimento dos aspectos económicos e sociais do Estatut, a direita espanhola (PP) tem um problema muito difícil para resolver. Mesmo que vença as próximas eleições e possa formar governo (coisa que duvido), não poderá alterar o Estatut pelo que terá de conviver com ele. Acrescem as dificuldades de evitar que as regiões onde governa venham a seguir o modelo do Estatut (como já prevê o próprio Estatut valenciano, mas também em Múrcia, nas Baleares, em Navarra, e em Castilla-León). E vai enfrentar fortes pressões na Galiza, na Andaluzia, nas Astúrias, na Cantabria, nas Canárias e em Aragão onde pretende vir a governar. Já para não falar naquilo que possa ser feito no País Basco para assegurar a paz e o fim definitivo da ETA, e a recente remodelação governamental de Zapatero só confirma que muito pode vir a ser feito. Suspeito mesmo que em breve haverá novidades na comunidade de Madrid (ao contrário do que dizia o impagável JAS no Expresso naquilo que ele próprio considera um editorial clássico, Espanha tem 17 regiões autónomas e não 5).
O PP está para Constituição de 1978 como o PCP está para a nossa Constituição. Por defender a imobilidade acaba sempre vencido. A cegueira e a arrogância da maioria absoluta durante o segundo mandato de Aznar levou a direita espanhola a radicalizar-se no tema da reorganização territorial. Isolou-se e condenou-se ao fracasso. Não teve uma posição activa mas sempre reactiva. Não propõem uma alternativa (por exemplo, deveria ter participado na discussão do Estatut com uma proposta de texto alternativa ou poderia apresentar uma proposta de reforma constitucional). Limita-se a defender o modelo da Constituição de 1978 sem mudar uma vírgula.
A manutenção da actual estratégia puramente reactiva e uma eventual derrota nas próximas eleições gerais (ou pior, uma vitória com maioria relativa que lhe impeça a formação de um governo) pode levar o PP de volta a 1978 e deitar por terra o labor de Manuel Fraga. Isto é, não me surpreenderia que a direita espanhola volte a dividir-se em dois ou mais partidos como foi na 2a República e até 1989. Se a Aznar e à linha dura do PP (Acebes, Zaplana) não lhes preocupa o regresso ao poder, existem muitos que querem e em breve (Gallardón, Piqué, Camps, e até Rato). Todos eles fazem eco da necessidade de adoptar posturas mais inovadoras no tema da organização territorial. O próprio ABC faz-se eco destas posições tendo já sido acusado de traição pelos meios de comunicação afectos à ala dura do PP (nomeadamente a COPE). Pode ser que a direita federalista esteja à espera ao voltar da esquina. E talvez mais liberal.
Amor e ódio entre as direitas ibéricas
As direitas ibéricas (espanhola, portuguesa, catalã, e basca) têm três características bastante semelhantes. Em primeiro lugar, não são liberais no sentido económico quando têm a oportunidade de formar governo, bem pelo contrário. Historicamente corporativas, de forte tradição francesa, e firmes defensoras da intervenção do Estado na economia em defesa daquilo que chamam o interesse nacional (desde o velhinho argumento das indústrias nascentes à sua nova versão na defesa dos centros de decisão nacional), as direitas ibéricas no poder quanto muito tendem a ser pro-big business, mas muito pouco pro-mercado. Em segundo lugar, as direitas ibéricas não são liberais na organização da sociedade. A influência católica e o pendor conservador dominam amplamente os respectivos partidos. Isso tem significado que as direitas ibéricas têm chegado tarde e sempre desconfiadas às grandes reformas sociais dos últimos trinta anos (divórcio, direitos da mulher, aborto, direitos dos homossexuais, direitos das minorias, etc.) deixando que a esquerda se aproprie desses temas e lhes chame questões fracturantes. Finalmente, as direitas ibéricas são nacionalistas quanto baste (desconfio mesmo que o eurocepticismo só não é mais pronunciado devido às generosas ajudas económicas recebidas da União Europeia). Não são portanto liberais quanto à organização do espaço geográfico em que se inserem.
Resulta pois curioso que sendo as várias direitas que existem em Espanha bastante semelhantes são incapazes de encontrar uma plataforma comum para governar. Obviamente tal deve-se ao nacionalismo subjacente aos diversos partidos da direita. Por outras palavras, aquilo que cada partido entende ser o interesse nacional do seu país (seja a Espanha, seja a Catalunha, seja o País Basco) pesa mais que qualquer semelhança nas políticas económicas ou sociais. Acaba pois por ser mais fácil negociar à esquerda do que dentro das próprias direitas.
Vem isto a propósito da aprovação do Estatut catalão. A posição favorável da direita catalã (CiU), da direita basca (PNV) e da direita canária (CC) não surpreende tendo em conta os seus objectivos independentistas ou soberanistas. Contudo, é irónico que para satisfazer os seus anseios de mais autonomia e menos Espanha, estejam dispostos a aprovar um estatuto (isto é, um texto constitucional) fortemente socialista onde impera a planificação governamental e o poder económico do Estado, os direitos adquiridos e se desconfia muito dos indivíduos e das suas decisões (faz lembrar a nossa Constituição).
Pelo estilo que adoptou e pela forma com que valorizou a questão territorial em detrimento dos aspectos económicos e sociais do Estatut, a direita espanhola (PP) tem um problema muito difícil para resolver. Mesmo que vença as próximas eleições e possa formar governo (coisa que duvido), não poderá alterar o Estatut pelo que terá de conviver com ele. Acrescem as dificuldades de evitar que as regiões onde governa venham a seguir o modelo do Estatut (como já prevê o próprio Estatut valenciano, mas também em Múrcia, nas Baleares, em Navarra, e em Castilla-León). E vai enfrentar fortes pressões na Galiza, na Andaluzia, nas Astúrias, na Cantabria, nas Canárias e em Aragão onde pretende vir a governar. Já para não falar naquilo que possa ser feito no País Basco para assegurar a paz e o fim definitivo da ETA, e a recente remodelação governamental de Zapatero só confirma que muito pode vir a ser feito. Suspeito mesmo que em breve haverá novidades na comunidade de Madrid (ao contrário do que dizia o impagável JAS no Expresso naquilo que ele próprio considera um editorial clássico, Espanha tem 17 regiões autónomas e não 5).
O PP está para Constituição de 1978 como o PCP está para a nossa Constituição. Por defender a imobilidade acaba sempre vencido. A cegueira e a arrogância da maioria absoluta durante o segundo mandato de Aznar levou a direita espanhola a radicalizar-se no tema da reorganização territorial. Isolou-se e condenou-se ao fracasso. Não teve uma posição activa mas sempre reactiva. Não propõem uma alternativa (por exemplo, deveria ter participado na discussão do Estatut com uma proposta de texto alternativa ou poderia apresentar uma proposta de reforma constitucional). Limita-se a defender o modelo da Constituição de 1978 sem mudar uma vírgula.
A manutenção da actual estratégia puramente reactiva e uma eventual derrota nas próximas eleições gerais (ou pior, uma vitória com maioria relativa que lhe impeça a formação de um governo) pode levar o PP de volta a 1978 e deitar por terra o labor de Manuel Fraga. Isto é, não me surpreenderia que a direita espanhola volte a dividir-se em dois ou mais partidos como foi na 2a República e até 1989. Se a Aznar e à linha dura do PP (Acebes, Zaplana) não lhes preocupa o regresso ao poder, existem muitos que querem e em breve (Gallardón, Piqué, Camps, e até Rato). Todos eles fazem eco da necessidade de adoptar posturas mais inovadoras no tema da organização territorial. O próprio ABC faz-se eco destas posições tendo já sido acusado de traição pelos meios de comunicação afectos à ala dura do PP (nomeadamente a COPE). Pode ser que a direita federalista esteja à espera ao voltar da esquina. E talvez mais liberal.
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