Nuno Garoupa

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sexta-feira, junho 30, 2006

A Constituição e os Males Portugueses (Revista Atlântico)

Comemoraram-se os trinta anos da Constituição Portuguesa entre os elogios habituais do establishment e verdadeiramente sentidos dos pais da Constituição (como não temos founding fathers arranjamos uns senhores que são os supostos mentores do texto constitucional), e a crítica de quem vê no texto constitucional a fonte dos males económicos que nos afligem (o coito do monstro como alguém lhe chamou). Para além dos colóquios académicos para a elite e a sessão comemorativa no Parlamento, a verdade é que a data passou sem glória.

Presumo que parte da história se deve a que celebramos trinta anos da Constituição sem sabermos muito bem que texto constitucional se comemora. Evidentemente que não pode ser o de 1976 pois este parece hoje totalmente desajustado da realidade económica, política e social em que vivemos. O problema é que já estava bastante desajustado em 1976 quando foi aprovado por essa larga maioria de deputados constituintes que contudo não tiveram a coragem de sujeitar o texto a referendo como fizeram os espanhóis. Nunca foi, e não era em 1976, a tal Constituição entre as mais avançadas do mundo (essa demagogia populista que se proclama ainda hoje desde as cátedras da matéria), mas sim um documento tipicamente terceiro-mundista que pugnava por um modelo então já claramente desajustado da Europa económica e social. Hoje fingimos colectivamente que só descobrimos isso nos anos 80 (lembremos que foi em 1989 quando o muro de Berlim estava em vésperas de cair). Bastava olhar à nossa volta na Europa e no mundo de então para perceber que a via para o socialismo levava pelo menos vinte e cinco anos de atraso. Têm vergonha muitos de admitir hoje que a ser aplicada efectivamente a Constituição de 1976 seríamos uma Cuba, mas isso apenas demonstra a loucura que era esse texto constitucional.

Comemorar os trinta anos da Constituição é no fundo institucionalizar a esquizofrenia em que vivemos. É e não é a mesma Constituição de 1976. A grande maioria do bloco central, que votou o “é” em 1976 e o “não é” nas revisões posteriores (a grande maioria dos interesses instalados no Estado e na sociedade portuguesa) pretende o equilíbrio impossível entre o compromisso de 1976 (onde explicitamente e de forma bastante cândida se pretendia eliminar o capitalismo em Portugal) e a dinâmica do mundo globalizado (profundamente capitalista). Nesse sentido, o pecado original da Constituição Portuguesa é a sua extensão e hiper-rigidez, uma tentativa vã do legislador constituinte de parar no tempo e no espaço. E se as reformas constitucionais expurgaram o texto do modelo marxista subjacente ao texto de 1976, elas não eliminaram o pecado original. Uma Constituição que é reformada cada cinco anos só pode significar que tem um desajustamento contínuo, sustentado e permanente com a realidade económica, política e social que pretende regular. A economia, a sociedade e a política mudam sempre mais rapidamente que a Constituição.

Sou daqueles que entende que a Constituição Portuguesa é um verdadeiro anacronismo histórico que dificilmente se libertará do pecado original. Mas não tenho a opinião de que o texto da Constituição seja um óbice ao nosso desenvolvimento económico, e muito menos a causa dos nossos males orçamentais e financeiros actuais. Evidentemente que numa ou noutra questão pontual podemos encontrar na Constituição a desculpa ou o óbice para determinadas políticas que eventualmente poderiam produzir resultados distintos ao que temos. Mas na generalidade acho que o problema não está no texto constitucional, mas sim naquilo que ele próprio simboliza.

Suponhamos que a Constituinte de 1975 saía de um processo de transição à espanhola, sem PREC nem vanguardas terceiro-mundistas, mas com a participação activa da esquerda e uma direita diminuída e complexada com a herança política. Provavelmente teríamos um texto semelhante à Constituição espanhola que vigora desde 1978 (este sim referendado pelo povo e sem reformas nos últimos vinte e oito anos). Faria alguma diferença?

Sinceramente acho que não. Desde logo porque as reformas políticas, sociais e económicas que permitiram à Espanha um modelo de crescimento sustentável não foram feitas em Portugal fundamentalmente por falta de vontade política e não por impedimento constitucional. Estas reformas não se fizeram nos anos 80 e 90 porque os eleitores preferiram sempre votar em quem lhes ofereceu crescimento baseado em consumo e falso sentido de bem-estar económico em detrimento de investimento e reforma económica, lazer em vez de trabalho.

A política económica e orçamental seguida em Espanha nos últimos vinte e cinco anos era perfeitamente compatível com a nossa Constituição. Em contrapartida, os exemplos habituais que os críticos da Constituição oferecem e que regularmente se vê citados nos artigos de opinião (por exemplo, o excesso de intervenção do Estado na educação, na saúde, na justiça, ou a rigidez da administração pública, ou ainda a desconfiança em relação ao sector privado e ao funcionamento da economia de mercado) são grosso modo idênticas ao texto espanhol (título I e título VII) e muito semelhantes ao estatut da Catalunha aprovado recentemente (título I e título VI). Entre a Constituição que temos desde 1989 (é verdade que levámos duas revisões constitucionais para lá chegar) e a que têm os espanhóis não encontro diferenças substantivas que justifiquem a ideia de que o documento fundamental do ordenamento jurídico português é o grande travão ao nosso desenvolvimento económico. A responsabilidade cabe à elite dirigente (e aos portugueses que lhes votaram) e não ao legislador constituinte (exonero pois os pais da Constituição de qualquer responsabilidade na situação actual).

O problema não está no texto constitucional, mas na lógica original subjacente, na sua extensão, no detalhe e no pormenor, na sua ânsia centralizadora e dirigista. Ela corresponde a uma caracterização cultural, sociológica e antropológica dos portugueses, ela no fundo responde a uma sociedade contrária a uma economia de mercado, ao risco e ao investimento, que sempre desconfia do indivíduo e enaltece o Estado, não o Estado-regulador mas o Estado-paternalista. Historicamente o capitalismo é um transplante na sociedade portuguesa. A Constituição é apenas o ponto focal, o símbolo dessa filosofia antiliberal que sempre imperou nas elites portuguesas ao longo dos últimos duzentos anos.

Por isso a actual Constituição se aproxima tanto da Constituição de 1933, ambas claramente dirigistas, estatizantes e fundamentalmente antiliberais. Notavelmente nem em 1933, nem em 1976, nem em 1989, nem hoje existe qualquer direito à concorrência ou qualquer obrigação constitucional de abolir os monopólios. E o Tribunal Constitucional, como bom intérprete do pensamento e da tradição portuguesa, tem uma jurisprudência que se limita a valorizar sempre mais a intervenção do Estado que as decisões do indivíduo, sempre mais preocupado com questões redistributivas do que com o bom funcionamento dos mercados.

O anacronismo histórico da Constituição é de 1976, mas o seu simbolismo insere-se perfeitamente nos últimos duzentos anos. Elevar a Constituição de 1976 a responsável desse paradigma antiliberal é um erro porque confundimos a mensagem com o remetente. No fundo, a Constituição representa muito mais que o compromisso de 1976 e é muito menos prisioneira dos acontecimentos históricos que lhe deram origem. Ela é substancialmente um símbolo do pensamento dominante na elite portuguesa. E se não queremos ou não podemos mudar esse pensamento, então não vale a pena bater mais na Constituição.

O meu sexto artigo na revista Atlântico (Jun 06)

HOLA MADRID
Zapatero sem roteiro para a paz
Nuno Garoupa


Zapatero enfrenta neste momento talvez o desafio político mais arriscado do seu Governo. As reivindicações oportunistas das várias comunidades autónomas que decidem subir-se ao carro das reformas dos seus estatutos, todas patrocinadas por essa coligação de socialistas, comunistas e nacionalistas que governa em Espanha, após o êxito do Estatut da Catalunha (veremos até quando os PP valenciano e balear conseguem resistir à tentação de subir a esse mesmo carro). O abandono por parte do PP da frente anti-terrorista e do processo de paz e negociação com a ETA deixando o Governo sem o respaldo de quase metade da sociedade espanhola. As eleições antecipadas na Catalunha que dificilmente produzirão um governo estável e que vão hipotecar a flexibilidade de Zapatero para negociar com a CiU (centro-direita nacionalista da Catalunha) uma solução governativa independente da ERC (independentistas da Catalunha).

Depois de ter activamente criado um cordão sanitário em redor do PP com a sua coligação de sete ou oito partidos “Todos Contra o PP” que lhe permitiu ganhar as eleições em 2004 e lhe tem permitido governar com sossego, Zapatero pretendeu desde o cessar-fogo da ETA acercar-se ao PP para minimizar o desgaste eleitoral que as concessões que tem que fazer vai acarretar. Sem dúvida que a paz terá rentabilidade eleitoral a médio prazo, mas as concessões a fazer dificilmente serão consensuais na sociedade espanhola no curto prazo. Um processo de paz negociado entre o Governo e a ETA sem apoio do PP, para além de ser um enorme risco político para Zapatero, vai ser fracturante e verdadeiramente dramático para os espanhóis. Na verdade, as consequências da irresponsabilidade e oportunismo político do PSE são ainda difíceis de prever (o PP decidiu romper com o Governo socialista no principio de Junho após ser conhecida publicamente uma reunião do líder do PSE, socialistas do País Basco, com os lideres do Batasuna, organização ilegalizada pela sua associação a actividades terroristas tal como consta das sentenças do poder judicial).

Tudo indica que Zapatero perdeu o controle sobre os seus barões regionais. Na Catalunha, não vale a pena falar. A confusão é generalizada, o governo tripartido acabou sem glória e sem história, é o salve-se quem puder (aliás apenas os comunistas da IC saem relativamente bem mas sem grande possibilidade de rentabilizar eleitoralmente essa mais-valia dada a sua reduzida dimensão eleitoral). Na Andaluzia e na Galiza, propõem-se reformas dos respectivos estatutos de autonomia que seguem o modelo catalão e que levantam sérias dúvidas sobre quem vai pagar tudo isto (continua a ser uma incógnita como vai reagir a comunidade de Madrid onde tudo indica que o PSOE já dá como perdida nas eleições regionais na Primavera de 2007). Mas é no País Basco que Zapatero tem mais dores de cabeça. O socialistas bascos namoram o Batasuna de forma a retirar ao actual Governo basco do PNV qualquer papel activo e focal no processo de paz. Não é mesmo de descartar um governo PSE/Batasuna para o País Basco para um futuro próximo.

O calendário eleitoral é complicado. As próximas eleições gerais devem ter lugar no Inverno de 2008 se a legislatura chegar ao fim, a maioria absoluta é o objectivo. Uma antecipação só tem sentido para o Inverno de 2007 dadas as eleições antecipadas na Catalunha no Outono de 2006 e as eleições regionais em quase toda a Espanha na Primavera de 2007. E o processo de paz é ainda mais complicado. Porque precisamente iniciou um processo de negociação da paz com a ETA antes de derrota-la, Zapatero vê-se forçado a por em cima da mesa várias questões preliminares que terão um elevado custo político e social.

Vai ser preciso legalizar o Batasuna, o braço político dos terroristas. Porém os negociadores escolhidos e anunciados pela ETA são directamente responsáveis de crimes hediondos, e não apenas instigadores (a Telemadrid emitiu recentemente um interessante programa sobre a história da ETA onde recordava que vários dos dirigentes do Batasuna estiveram condenados por activamente participar em atentados que resultaram no falecimento de bebés e crianças nos anos 80). Depois Zapatero terá de fazer concessões no tema dos etarras presos fora do País Basco. E aí dificilmente pode Zapatero evitar um conflito grave com o poder judicial (mesmo que faça alterações importantes à legislação penal) como aliás já foi visível nas últimas sentenças judiciais. É ainda preciso saber o que fazer com as vítimas porque não basta acusar a AVT (a associação de vítimas do terrorismo) de estar manipulada pelo PP. Ou anunciar em pleno comício partidário que vai por no preâmbulo da Constituição uma referência às vítimas. Evidentemente que para além destas questões preliminares, Zapatero tem ainda de considerar que solução institucional para o País Basco e para Navarra vai propor.

Faz algum sentido começar a pensar que Zapatero entrou no processo de paz sem roteiro e de forma precipitada, excessivamente pressionado pela complicada situação na Catalunha. Poder-se-ia pensar que é a receita ideal para o desastre. Mas Zapatero já nos habitou a que existe sempre uma saída para o desastre, mesmo que seja outro desastre.

terça-feira, junho 27, 2006

Resumo do Artigo sobre An. Econ. do Direito Anti-Terrorismo

Um resumo em espanhol do artigo publicado no Public Choice:
Lo que nos enseña el análisis económico sobre el terrorismo.

domingo, junho 04, 2006

Artigo no Boletim da Ordem dos Advogados (Jun 06)

Racionalizar a produção legislativa em Portugal: Do teste simplex à avaliação prospectiva da legislação

quinta-feira, junho 01, 2006

Artigo na Revista Prémio (2 Jun 06)

Dos Custos de Contexto às Reformas Estruturais
Nuno Garoupa
Professor Catedrático da Universidade Nova de Lisboa

Os custos de contexto são objecto de análise económica desde os anos oitenta mas só chegaram a Portugal em pleno século XXI após o Banco Mundial ter anunciado o seu programa Doing Business. Foi então que os gurus da economia portuguesa descobriram que os custos de contexto eram um factor de desvantagem competitiva muito séria (notavelmente os mesmos que olimpicamente ignoraram esse problema durante vinte anos). Finalmente percebemos que a nossa infra-estrutura jurídica e institucional é muito má, a nossa produção legislativa é caótica, e as reformas na Justiça e na Administração do Estado tornaram-se prioritárias para o crescimento económico.

Infelizmente para todos nós, e ao contrário do que somos continuamente bombardeados nos media, não há nenhuma reforma da Justiça em curso (infelizmente temos de reconhecer que a última data do inicio do Estado Novo), mas sim uma mera reestruturação superficial (é verdade que menos superficial que outras anteriores) de aspectos processuais e anúncios desconexos de intenções que vão ficando pelo caminho (reformas da Justiça fizeram-se sim no Japão ou no Reino Unido nos últimos anos). Repare-se que se avançou para uma série de medidas pontuais (umas mais mediáticas que outras) sem discutir a essência do problema, isto é, continuamos a não saber que infra-estrutura jurídica necessitamos.

A produção legislativa em Portugal é caótica, irracional, ineficaz, e geradora de custos económicos consideráveis. Isso também já não é dúvida para ninguém. Talvez que a única surpresa neste estado de coisas seja a incapacidade dos sucessivos Governos para introduzir planeamento e avaliação legislativa, e o total alheamento que a Assembleia da República, principal centro formal da produção legislativa no nosso ordenamento jurídico, tem em relação a este assunto.

Daí que foi grande a expectativa com os anúncios recentes dos programas de reforma e modernização do Estado, incluindo o programa legislar melhor. Infelizmente a recodificação (para saber qual é a legislação em vigor), a auditoria e o planeamento legislativos estão praticamente ausentes destes programas de reforma. Resta a avaliação prospectiva da legislação ensaiada no programa de simplificação administrativa (o Simplex) e depois no programa legislar melhor.

Mas é extraordinário como quando tudo parece simples (basta copiar as melhores práticas internacionais e adaptar as metodologias desenvolvidas e experimentadas noutros países), as nossas autoridades têm uma tendência natural para complicar. Temos que inventar a roda, e como sempre inventamos a roda dentada... Do Simplex passamos ao Complex.

Aquilo que o Governo quer fazer é uma coisa híbrida entre o modelo belga (uma avaliação de custos administrativos) e o modelo britânico (o regulatory impact assessment or appraisal, RIA). Mas não é nem uma coisa nem outra. Trata-se, na verdade, de um exercício pesadamente burocrático, de aplicação rotineira, sem elementos objectivos de avaliação e profundamente errado do ponto de vista metodológico.

Tudo somado, temos muito pouco e o pouco que temos é medíocre. Infelizmente, dadas as palavras de vários responsáveis governamentais e os preâmbulos dos vários programas anunciados, não podemos pensar que se trata de uma opção ou uma orientação clara por um determinado modelo de infra-estrutura jurídica em geral e de produção legislativa em particular. É possível que resulte das muitas dificuldades que os responsáveis governamentais encontram, nomeadamente os mais variados interesses corporativos e a falta de preparação técnica dos quadros da administração para muitos destas questões que são novas em Portugal. Mas desconfio que existe muita falta de sensibilidade, para não dizer ignorância, e um excesso de buzzwords em relação a toda esta problemática.

Poder-se-ia pensar que o pior é que estaremos a discutir estas questões ano após ano porque isso revela que nada realmente substantivo muda. Na minha perspectiva, o pior é deixarmos de discutir estas questões por estarmos convencidos que o pouco e mau que se fez é suficiente. Infelizmente é isso que transparece daqueles que nos anunciam que em breve veremos os resultados brilhantes das reformas estruturais operadas na Justiça e na Administração do Estado.

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