Nuno Garoupa

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domingo, maio 28, 2006

O meu quinto artigo na revista Atlântico (Maio 06)

HOLA MADRID
Olhos postos em Navarra

O reino de Navarra faz parte da recordação juvenil de quem teve que memorizar os reinos da reconquista cristã aos 13 ou ao 14 anos. Entre os grandes reinos, Portugal, Castela (os maus do filme) e Aragão (agora na versão politicamente correcta, diz-se comunidade de reinos de Aragão, Valência e Catalunha), aparece esse pequeno reino de pouca importância política e militar que na verdade nunca mereceu muita atenção nos nossos manuais de História. A sua época de ouro, a de Sancho III, é muito anterior à própria existência do reino de Portugal; depois, limitado territorialmente por Castela a sudoeste e Aragão a sudeste, perdeu a expansão territorial da reconquista cristã, finalmente virou-se para a órbita francesa em busca da sobrevivência; a invasão em 1512 pelo Rei Católico leva a sua anexação por Castela. Surpreendentemente, ou não tanto, este reino perdido nas memórias da História volta a ressuscitar estes dias.

Tudo indica que Navarra será a moeda de troca que exige ETA para suspender de forma definitiva as suas actividades terroristas. O nacionalismo basco quis desde a sua fundação no final do século XIX recriar a identidade nacional do País Basco que nunca existiu realmente (as Vascongadas). Euskadi é uma invenção de Sabino Aranda (fundador do PNV) com muito pouco de fundamento histórico, mas sim fundamentalmente o resultado de uma rejeição do pensamento liberal e da industrialização tardia de Castela, uma exaltação do conservadorismo católico radical, agrário e xenófobo que ainda hoje perdura amplamente no PNV.

Mas se o nacionalismo basco é uma invenção do pensamento conservador católico (daí por exemplo a cumplicidade inaceitável da Igreja católica basca com a ETA durante tantos anos), ele necessitava de uma História. Para isso socorreu-se do reino de Navarra, apoderando-se da sua herança histórica, de forma a dar-lhe o conteúdo intertemporal e territorial que necessitava. Numa atitude verdadeira imperialista, o nacionalismo basco não se limita às províncias vascuences de Castela (Biscaia, Álava e Guipúzcoa, perdidas pelo reino de Navarra para Castela em 1200), mas decidiu incluir a Navarra espanhola (onde, por exemplo, o basco apenas se fala hoje na franja vascuence e no vale pirinaico da comunidade foral e jamais foi idioma preponderante), e reclamar a Navarra francesa (o norte de Navarra que não foi invadido por Fernando de Aragão e juntou-se à coroa francesa com a casa de Bourbon).

Em troca de deixar as actividades terroristas, para além de outras concessões imediatas (transferência dos presos da ETA para estabelecimento penitenciários no País Basco; legalização do Batasuna ou equivalente), a ETA quer o reconhecimento da comunidade foral de Navarra como parte integrante de Euskadi. Não só foi assim na 2a República quando o PNV se tornou hegemónico, mas esta mesma reclamação fora já objecto de atenção na Constituição de 1978 (nas disposições transitórias) e atrasou significativamente a introdução do regime foral de 1982. Mas nunca foi tão possível como agora.

Não tenho dúvidas que Zapatero e o PSOE estão dispostos a implementar essa reclamação, e muito mais, para garantir a paz e ganhar as eleições gerais com maioria absoluta, o mais tardar em 2008 (contínuo a apostar na antecipação desta data para 2007). Navarra não tem importância económica, social ou política que impeça Zapatero de dissolver a comunidade foral e integrá-la no País Basco ao cuidado do PNV (ou como propunha uma ilustre militante socialista estas semanas, um futuro governo de coligação socialista-ETA/Batasuna no País Basco). A própria Constituição pode abrigar semelhante decisão.

O problema de Zapatero são os navarros. Não só o nacionalismo basco tem vindo a perder terreno em Navarra, dos 20% em 2000 para cerca de 14% nas últimas eleições, como o governo foral está nas mãos da direita navarra organizada em redor da UPN (o PP em Navarra chama-se União do Povo Navarro) e aliados. Está claro que, segundo todas as sondagens e estudos de opinião, a actual maioria dos navarros nem quer ouvir falar de qualquer tipo de união com o País Basco.

A estratégia de Zapatero é clara. Primeiro, desbancar a direita do governo foral nas eleições da Primavera de 2007 e formar uma maioria com os nacionalistas bascos no parlamento navarro (possivelmente seguindo o modelo de outras comunidades autónomas, os nacionalistas só quererão controlar a pasta da educação que como se demonstra no País Basco e na Catalunha é a mais importante a médio prazo). As sondagens mostram que tal está ao alcance dos socialistas depois de dez anos de governo de Miguel Sanz, mas não vai ser fácil.

Mas um governo socialista em Navarra pode não ter condições para levar a cabo a dissolução da comunidade foral sem um referendo que dificilmente pode ser ganho. Para isso, a campanha na comunicação social afecta aos socialistas (o grupo PRISA) já começou. A ETA não esperará eternamente. E afinal o que são seiscentos mil navarros em troca da paz duradoura para quarenta e cinco milhões de espanhóis?

segunda-feira, maio 08, 2006

Artigo na Dia D do Público (8 Maio 06)

Afinal para que serve a Assembleia da República?
Nuno Garoupa

Os recentes lamentáveis episódios ocorridos na Assembleia da República levantaram um coro de protestos sobre a forma como os deputados exercem os seus deveres enquanto representantes do povo. As respostas pontuais e demagógicas dos vários líderes políticos e do Presidente da AR apenas confirmam que, não só tudo ficará essencialmente na mesma como é apanágio dos últimos 30 anos, como o problema da AR é mais profundo do que a mera falta de profissionalismo e de respeito institucional dos seus deputados. Deixemos de lado a falta de assiduidade, o número excessivo, ou os privilégios dos deputados, e olhemos para os resultados. Avaliemos aquilo que é a qualidade da produção parlamentar. A AR tem dois papéis muito importantes na nossa democracia: legislar e fiscalizar o poder executivo.

Enquanto órgão fiscalizador, os resultados são absolutamente medíocres. Se foi possível chegarmos à actual situação orçamental (em que o déficit orçamental é manipulado ano após ano) foi porque a AR abdicou do seu papel e foi incapaz de exercer as competências que lhe estão constitucionalmente assignadas. As comissões de inquérito são uma farsa sem qualquer credibilidade, e a AR não conseguiu encontrar em 30 anos uma solução para o problema (seja comissões com paridade governo-oposição; seja desenvolver uma comissão de inquérito independente presidida por um magistrado especialmente designado para esse efeito). A forma como a AR escolhe os vogais nos mais variados órgãos do Estado (do TC ao CSM ou à recente ERC) é desprestigiante (por exemplo, a inexistência de audição parlamentar aos candidatos confirma que o papel da AR é simplesmente residual no processo de escolha). E se muito do fracasso da AR como órgão fiscalizador se deve ao excesso de concentração de poder nas lideranças partidárias e no Governo, não deixa de ser verdade que a AR nunca fez um esforço para passar de uma câmara de ecos e ressonância. Jamais a mesa da AR teve um papel activo na resolução dos problemas ou na apresentação de soluções inovadoras apesar do elogio fácil com que os sucessivos presidentes da AR têm sido brindados.

Já como órgão legislador, a avaliação só pode ser trágica. Já ninguém esconde que a produção legislativa em Portugal é caótica, irracional, e responsável por excessivos custos de contexto que afectam a nossa economia. A AR em trinta anos nunca mostrou interesse por racionalizar a produção legislativa, em introduzir mecanismo de avaliação prospectiva ou retrospectiva, ou transplantar o sistema de comissões técnicas independentes como se faz noutros países.

Vejamos as coisas como elas são. O problema na AR não é a ausência dos deputados ou a confusão nas votações, não é o abuso dos privilégios de que gozam ou o excessivo número de deputados. Infelizmente para a qualidade da nossa democracia a AR abdicou de ser uma verdadeira Assembleia da República. No fundo, a AR nunca passou de uma Assembleia Nacional. Não espanta por isso que se questione a sua utilidade.

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