Artigo no Público (17 Fev 2008)
O Rumo da Justiça
Nuno Garoupa
Professor Catedrático da University of Illinois College of Law
A discussão da política de justiça em Portugal não beneficia do rigor e do conhecimento quantitativo que em muito deriva da tradição anti-empírica do Direito continental. Evidentemente que uma análise quantitativa não deve ser a única base de referência para as políticas públicas na Justiça, mas ignorar os aspectos estatísticos é fechar os olhos à realidade e deixar-se conduzir por puros preconceitos ou intuições que como se tem visto nos últimos vinte anos estavam globalmente errados dados os resultados brilhantes obtidos.
Tal como foi amplamente difundido pelos meios de comunicação social, fiz parte de um grupo de investigadores que apresentou um estudo sobre a justiça cível em Portugal patrocinado pela FLAD em Janeiro deste novo ano. Esse estudo, utilizando os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, confirmava o agravamento da congestão dos tribunais cíveis em 2003 e 2004 (demonstrando que as reformas do governo PSD-CDS não só fracassaram os seus objectivos como agravaram a situação). Nesse mesmo documento reconhecemos positivamente o sentido geral das reformas introduzidas pelo actual governo mas classificamos de insuficientes por não romperem com a lógica subjacente ao caos em que estamos.
Desde a conclusão do estudo (em Julho de 2007) foram sendo disponibilizados os dados de 2005 e 2006 pelo Ministério da Justiça. Existem boas e más notícias.
As boas notícias: a litigância em tribunais cíveis de primeira instância sofreu um decréscimo importante em 2006 (cerca de 12%) o que levou a uma diminuição dos processos pendentes a 31 de Dezembro pela primeira vez desde 1993. Nesse sentido as medidas de descongestão dos tribunais tiveram o efeito pretendido a curto prazo. Certamente não é a primeira vez que a a litigância em tribunais cíveis de primeira instância sofre um decréscimo (aconteceu em 1995, cerca de 9%; em 1998, cerca de 6%; em 2000, cerca de 2%; em 2001, cerca de 4%). Nem podemos assacar a importante diminuição da litigância apenas às medidas de descongestão, mas globalmente o governo pode estar satisfeito.
As más notícias: a taxa de congestão agravou-se em 2005 para o seu valor histórico mais alto (confirmando a política desastrosa dos governos PSD-CDS) e tem uma redução muito suave em 2006 (para os níveis de 2004). A taxa de congestão dos tribunais cíveis de primeira instância rondava o 1.1 em 1993, subiu para 1.5 em 1996, estabilizou no 2.1. em 1998, chegou ao 2.5 em 2001, 2.7 em 2004, 2.8 em 2005 e desce para 2.7 em 2006.
As estatísticas da justiça infelizmente não têm a periodicidade das variáveis económicas e demográficas do INE pelo que qualquer análise quantitativa exigente anda sempre desfazada mais de um ano. Contudo podemos fazer alguma inferência dos dados publicados. A manter-se a tendência em 2007, a taxa de congestão deverá rondar o 2.4 a 2.5. No cenário optimista do governo que mantém a sua fé na plena efectividade das medidas tomadas em 2006 e reforçadas em 2007, a taxa de congestão poderá chegar ao 1.7 em 2009 (isto é, estaremos ao nível de 1997). Contudo, numa previsão bem mais realista (que por exemplo reconhece que as reduções da taxa de congestão no passado não foram de forma alguma sustentadas), deveremos estar perto do 2.1 em 2009.
Seja qual for o cenário que o leitor prefere, duas coisas podemos dizer. As medidas de descongestão do actual governo tiveram o efeito pretendido na litigância (número de processos entrados) a curto prazo. As mesmas medidas tiveram um efeito muito mais ténue na descongestão dos tribunais (medida pelo número de processos pendentes sobre o número de processos findos) que no cenário mais optimista nos fazem recuar a 1998 no final da legislatura.
Estas duas conclusões apontam para uma descongestão pontual mas não estrutural. Esta análise confirma a minha opinião manifestada já várias vezes. Esta é a melhor equipa que o Ministério da Justiça teve desde o 25 de Abril. Contudo, a eficácia e celeridade da Justiça em Portugal só pode ser sustentada com uma mudança de paradigma que infelizmente ainda não aconteceu (nem está nos planos do governo). Sendo assim podemos esperar ligeiras melhorias mas sem efeitos que o comum do portugueses venha a discernir mesmo a médio prazo. Para isso necessitamos um plano de descongestão estrutural que o governo não tem e a oposição nem imagina.
Nuno Garoupa
Professor Catedrático da University of Illinois College of Law
A discussão da política de justiça em Portugal não beneficia do rigor e do conhecimento quantitativo que em muito deriva da tradição anti-empírica do Direito continental. Evidentemente que uma análise quantitativa não deve ser a única base de referência para as políticas públicas na Justiça, mas ignorar os aspectos estatísticos é fechar os olhos à realidade e deixar-se conduzir por puros preconceitos ou intuições que como se tem visto nos últimos vinte anos estavam globalmente errados dados os resultados brilhantes obtidos.
Tal como foi amplamente difundido pelos meios de comunicação social, fiz parte de um grupo de investigadores que apresentou um estudo sobre a justiça cível em Portugal patrocinado pela FLAD em Janeiro deste novo ano. Esse estudo, utilizando os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça, confirmava o agravamento da congestão dos tribunais cíveis em 2003 e 2004 (demonstrando que as reformas do governo PSD-CDS não só fracassaram os seus objectivos como agravaram a situação). Nesse mesmo documento reconhecemos positivamente o sentido geral das reformas introduzidas pelo actual governo mas classificamos de insuficientes por não romperem com a lógica subjacente ao caos em que estamos.
Desde a conclusão do estudo (em Julho de 2007) foram sendo disponibilizados os dados de 2005 e 2006 pelo Ministério da Justiça. Existem boas e más notícias.
As boas notícias: a litigância em tribunais cíveis de primeira instância sofreu um decréscimo importante em 2006 (cerca de 12%) o que levou a uma diminuição dos processos pendentes a 31 de Dezembro pela primeira vez desde 1993. Nesse sentido as medidas de descongestão dos tribunais tiveram o efeito pretendido a curto prazo. Certamente não é a primeira vez que a a litigância em tribunais cíveis de primeira instância sofre um decréscimo (aconteceu em 1995, cerca de 9%; em 1998, cerca de 6%; em 2000, cerca de 2%; em 2001, cerca de 4%). Nem podemos assacar a importante diminuição da litigância apenas às medidas de descongestão, mas globalmente o governo pode estar satisfeito.
As más notícias: a taxa de congestão agravou-se em 2005 para o seu valor histórico mais alto (confirmando a política desastrosa dos governos PSD-CDS) e tem uma redução muito suave em 2006 (para os níveis de 2004). A taxa de congestão dos tribunais cíveis de primeira instância rondava o 1.1 em 1993, subiu para 1.5 em 1996, estabilizou no 2.1. em 1998, chegou ao 2.5 em 2001, 2.7 em 2004, 2.8 em 2005 e desce para 2.7 em 2006.
As estatísticas da justiça infelizmente não têm a periodicidade das variáveis económicas e demográficas do INE pelo que qualquer análise quantitativa exigente anda sempre desfazada mais de um ano. Contudo podemos fazer alguma inferência dos dados publicados. A manter-se a tendência em 2007, a taxa de congestão deverá rondar o 2.4 a 2.5. No cenário optimista do governo que mantém a sua fé na plena efectividade das medidas tomadas em 2006 e reforçadas em 2007, a taxa de congestão poderá chegar ao 1.7 em 2009 (isto é, estaremos ao nível de 1997). Contudo, numa previsão bem mais realista (que por exemplo reconhece que as reduções da taxa de congestão no passado não foram de forma alguma sustentadas), deveremos estar perto do 2.1 em 2009.
Seja qual for o cenário que o leitor prefere, duas coisas podemos dizer. As medidas de descongestão do actual governo tiveram o efeito pretendido na litigância (número de processos entrados) a curto prazo. As mesmas medidas tiveram um efeito muito mais ténue na descongestão dos tribunais (medida pelo número de processos pendentes sobre o número de processos findos) que no cenário mais optimista nos fazem recuar a 1998 no final da legislatura.
Estas duas conclusões apontam para uma descongestão pontual mas não estrutural. Esta análise confirma a minha opinião manifestada já várias vezes. Esta é a melhor equipa que o Ministério da Justiça teve desde o 25 de Abril. Contudo, a eficácia e celeridade da Justiça em Portugal só pode ser sustentada com uma mudança de paradigma que infelizmente ainda não aconteceu (nem está nos planos do governo). Sendo assim podemos esperar ligeiras melhorias mas sem efeitos que o comum do portugueses venha a discernir mesmo a médio prazo. Para isso necessitamos um plano de descongestão estrutural que o governo não tem e a oposição nem imagina.
1 Comments:
Não estou de acordo e a redução estatistica de processos é consequência não de uma eficácia do legislador mas da retirada do acesso á justiça ao povo...
vide aumentos usur+arios das custas judiciais e a conversão do aopio judiciário num sofisma....
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