O meu décimo-quarto artigo na Revista Atlântico (Fev 07)
HOLA MADRID
As Juntas de Vecinos
Nuno Garoupa
Em todos estes dez anos que vivi entre Lisboa, Madrid e Barcelona, um questão que me é colocada recorrentemente é qual a maior diferença entre Portugal e Espanha. A economia (eles crescem 3% ao ano, nós definhamos dez anos seguidos), as contas públicas (eles equilibraram o orçamento, nós não), as grandes empresas, a comunicação social, a política, as gentes, a universidade, as autonomias, o terrorismo, as instituições, a emigração, o poder judicial, as administrações públicas (nós expandimos o número de funcionários, perdemos o controle do que pagamos aos gestores públicos, eles não)? No fundo, será que Espanha teve simplesmente mais sorte com os seus líderes políticos do que Portugal como por aí se diz?
Hoje penso sinceramente que as juntas de vecinos são a diferença que faz a diferença, bem mais que Aznar ou González. Onde o 25 de Abril falhou, a transição espanhola venceu. Duas sociedades amordaçadas por regimes autoritários, corporativos e estatizantes geraram cidadanias em democracia bem distintas. Uma floresceu, a outra murchou.
A inactividade da sociedade civil em Portugal é chocante. De vez em quando a comunicação social lá consegue criar uma onda de indignação que rapidamente acaba na primeira curva como se viu na Casa Pia ou agora no caso Esmeralda. O português médio queixa-se, lamenta-se, mas não se mexe, não se organiza, não está disposto a perder o seu precioso tempo de lazer em manifestações. Ficam pois os sindicatos e os partidos como senhores do direito à indignação. E já se sabe que estes senhores têm mais do que fazer. Na verdade, não surpreende que a qualidade dos senhores do direito à indignação seja pouco digna. É que não têm concorrência.
A sociedade civil espanhola tem hoje um papel enorme, interventor, activo nas agendas políticas e sociais bem ao contrário da portuguesa. São os milhares de ONGs que cada dia organizam actividades participativas, são as manifestações de rua que frequentemente mostram o pulso da sociedade (juntam 50 a 100 mil pessoas fazendo inveja aos agrupamentos de pessoas que de vez em quando se fazem em Portugal), sãos as tertúlias onde se discutem os problemas de cada comunidade, são as múltiplas petições, e são as juntas de vecinos que através dos mecanismos formais e informais exercem uma influência assinalável na política local. Comparada com a portuguesa, Espanha tem uma sociedade pujante e activa.
A qualidade da democracia é determinada pela sociedade civil. Não só pela óbvia necessidade de uma cidadania exigente, mas também pelo efeito disciplinador que tem nos partidos políticos e nos sindicatos. Estes concorrem activamente com as ONGs, as associações, as juntas de vecinos e mesmo a Igreja Católica pela representatividade social. A rua não tem dono, ainda menos não é da esquerda. Surpreenderá a um português que as causas da direita espanhola conseguem fazer manifestações de um milhão ou mais de espanhóis (quando foi a última vez que a direita portuguesa conseguiu reunir 200 mil pessoas?). Sem dúvida que os espanhóis são combativos e saem à rua para expressar o seu direito à indignação. O PP bem como o PSOE são partidos de massas, com organizações activas, estruturas importantes, com actividades de grande dimensão, mega-comícios ao fim de semana. Nada disso existe hoje em Portugal.
A comunicação social é mais um sinal visível de uma sociedade viva. Está polarizada e politicamente comprometida (bem ao contrário do caso português onde é tudo pseudo-independente). Existem muitos “Prós e Contra” e vários “Professores Marcelo.” Não domina a ditadura dos senhores professores, dos sábios e dos mediáticos. Existe pluralismo intelectual porque existem juntas de vecinos e existem juntas de vecinos porque há pluralismo intelectual. Para nossa desgraça, em Portugal, não há nem juntas de vecinos nem pluralismo intelectual. E uma democracia sem pluralismo intelectual definha.
As Juntas de Vecinos
Nuno Garoupa
Em todos estes dez anos que vivi entre Lisboa, Madrid e Barcelona, um questão que me é colocada recorrentemente é qual a maior diferença entre Portugal e Espanha. A economia (eles crescem 3% ao ano, nós definhamos dez anos seguidos), as contas públicas (eles equilibraram o orçamento, nós não), as grandes empresas, a comunicação social, a política, as gentes, a universidade, as autonomias, o terrorismo, as instituições, a emigração, o poder judicial, as administrações públicas (nós expandimos o número de funcionários, perdemos o controle do que pagamos aos gestores públicos, eles não)? No fundo, será que Espanha teve simplesmente mais sorte com os seus líderes políticos do que Portugal como por aí se diz?
Hoje penso sinceramente que as juntas de vecinos são a diferença que faz a diferença, bem mais que Aznar ou González. Onde o 25 de Abril falhou, a transição espanhola venceu. Duas sociedades amordaçadas por regimes autoritários, corporativos e estatizantes geraram cidadanias em democracia bem distintas. Uma floresceu, a outra murchou.
A inactividade da sociedade civil em Portugal é chocante. De vez em quando a comunicação social lá consegue criar uma onda de indignação que rapidamente acaba na primeira curva como se viu na Casa Pia ou agora no caso Esmeralda. O português médio queixa-se, lamenta-se, mas não se mexe, não se organiza, não está disposto a perder o seu precioso tempo de lazer em manifestações. Ficam pois os sindicatos e os partidos como senhores do direito à indignação. E já se sabe que estes senhores têm mais do que fazer. Na verdade, não surpreende que a qualidade dos senhores do direito à indignação seja pouco digna. É que não têm concorrência.
A sociedade civil espanhola tem hoje um papel enorme, interventor, activo nas agendas políticas e sociais bem ao contrário da portuguesa. São os milhares de ONGs que cada dia organizam actividades participativas, são as manifestações de rua que frequentemente mostram o pulso da sociedade (juntam 50 a 100 mil pessoas fazendo inveja aos agrupamentos de pessoas que de vez em quando se fazem em Portugal), sãos as tertúlias onde se discutem os problemas de cada comunidade, são as múltiplas petições, e são as juntas de vecinos que através dos mecanismos formais e informais exercem uma influência assinalável na política local. Comparada com a portuguesa, Espanha tem uma sociedade pujante e activa.
A qualidade da democracia é determinada pela sociedade civil. Não só pela óbvia necessidade de uma cidadania exigente, mas também pelo efeito disciplinador que tem nos partidos políticos e nos sindicatos. Estes concorrem activamente com as ONGs, as associações, as juntas de vecinos e mesmo a Igreja Católica pela representatividade social. A rua não tem dono, ainda menos não é da esquerda. Surpreenderá a um português que as causas da direita espanhola conseguem fazer manifestações de um milhão ou mais de espanhóis (quando foi a última vez que a direita portuguesa conseguiu reunir 200 mil pessoas?). Sem dúvida que os espanhóis são combativos e saem à rua para expressar o seu direito à indignação. O PP bem como o PSOE são partidos de massas, com organizações activas, estruturas importantes, com actividades de grande dimensão, mega-comícios ao fim de semana. Nada disso existe hoje em Portugal.
A comunicação social é mais um sinal visível de uma sociedade viva. Está polarizada e politicamente comprometida (bem ao contrário do caso português onde é tudo pseudo-independente). Existem muitos “Prós e Contra” e vários “Professores Marcelo.” Não domina a ditadura dos senhores professores, dos sábios e dos mediáticos. Existe pluralismo intelectual porque existem juntas de vecinos e existem juntas de vecinos porque há pluralismo intelectual. Para nossa desgraça, em Portugal, não há nem juntas de vecinos nem pluralismo intelectual. E uma democracia sem pluralismo intelectual definha.
2 Comments:
http://revoltaavolta.blogspot.com/2007/03/das-juntas-de-vecinos-s-escolas.html
http://lisboaqueamanhece.blogspot.com/2007/03/leituras-quais-as-diferenas-entre.html
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